Baunilha&Chocolate

Sempre se questionou pelas coisas mais evidentes. A necessidade de entender tudo e todos deixava-a impaciente, sempre com o “porquê?” prestes a escapar-lhe da boca. Lembro-me perfeitamente de uma das suas dúvidas, aquelas que surgiam sempre antes de deitar, no momento da despedida. Ela tinha cerca de 4 anos, ia dar-lhe um beijo de boa noite quando ela me perguntou - “Ana, conheces o Miguel da minha turma?”
“Sim, não é o teu melhor amigo?”
Um pouco reticente, respondeu “Penso que sim!”
“Então Maria, não tens a certeza?”
“Tenho, mas os meus colegas não gostam muito. Sabes, o Miguel é muito moreno e os outros meninos por causa disso não brincam com ele. E eu nunca entendi porquê, ele é muito simpático comigo e sei que fica triste por mais ninguém brincar com ele.”
Senti-me tentada a dizer que era puro racismo que os pais e a sociedade incutem na mente destas crianças. Mas a Maria era muito ingénua para perceber o mal que existe lá fora. Naquela altura a sua mente era pura e cheia de amor para dar, só ela conseguia pintar um mundo cheio de cores, sem ligar aos contrastes da vida. Para ela o amigo Miguel, era como todos os outros. Apenas “moreno”, dizia ela…
“E achas que é por ele ser «moreno»?”
Por instantes ficou pensativa e disse:
“Não sei, mas o Miguel gosta de mim e eu sou branquinha. E eu gosto do Miguel assim!”
“Então a vossa amizade é especial?”
“Hum hum…” anuiu. “É doce, assim como um gelado de baunilha e chocolate!” disse, toda sorridente.
Na altura apenas me ri e me despedi dela. Hoje, penso no quanto aquelas palavras eram sensatas. A Maria tinha apenas 4 anos e de maneira simples conseguiu identificar a beleza que existe na raça humana, o facto de sermos todos diferentes não é motivo para ser discriminatório. Pelo contrário, é “doce como um gelado de baunilha e chocolate”.


Sofia Simões



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