A mudança

Não sei se poderei chamar destino ou acaso ao que aconteceu…

Por mais que quisesse pintar a realidade, dificilmente o poderia fazer pois já é demasiado colorida e o exagero poderia levar a algo berrante. Não sendo isso que pretendo, vou limitar-me a contar a verdade…

O caminho foi traçado em duas semanas! Estava confiante, o pior que poderia acontecer seria ficar em casa um ano e começar a trabalhar. O boletim estava preenchido, apostei as fichas todas numa só opção. Seria loucura deixar as outras 5 vazias? Assim parecia, pelo ar de perplexidade quando me questionavam sobre a minha escolha. “Só? Então e o resto? Estás mesmo confiante que vais entrar?”

O meu sexto sentido dizia que sim! Dou muita atenção ao sexto sentido, não tenho memória de me ter deixado mal. Não garanto que seja o sexto, poderá ser o sétimo, quiçá o oitavo. Sempre fui muito intuitiva!

A minha mãe dá-lhe outro nome, diz que é apenas “sorte”…

Pois bem, o sentido (seja ele qual for) ou a sorte , ou ambos, não me deixaram ficar mal! 13 de Outubro de 2005 foi o virar de página. No dia seguinte, encontrava-me a caminho da Serra (era o meu único ponto de referência) para fazer a inscrição e encontrar casa.
Não me lembro claramente dos primeiros dias, sei que não foram nenhum choque! Estava a gostar de estar por minha conta, fazer os meus horários, etc. A independência tinha um sabor tão doce!

Tudo era novidade, tudo cheirava a novo. No entanto, as ruas tortuosas e os saltos altos não combinavam. Sentia-me a bimba da cidade de visita à aldeia! Até hoje, garanto que não desisti dos saltos, adaptei-me às ruas!

Sentia-me bem, tranquila, era a chamada “paz de espírito”. Estava a conhecer pessoas diferentes, hábitos e maneiras de estar distintas da minha.

Foi nessa altura que…

“Desculpa! Eu acho que te conheço de algum lado…”

Tudo mudou!

Para ti amor...

Perdão

Meu amor:
Sei que vais achar estranho receber esta carta. Nao vais achar só o acto em si estranho, mas também o conteúdo.
Tanta coisa que ficou por dizer desde a última vez que nos vimos. Talvez um simples telefonema resolvesse a situação que ainda está pendente, ou talvez não! Sei que devia ser paciente, mas nunca tive essa virtude e acredita, o esforço que tenho feito é descomunal. Tentei abstrair-me de tudo o que te dissesse respeito nestes dois meses e poderia dizer que fui bem sucedida, mas nao sou capaz, amor! Nao sou capaz de te mentir. A verdade é que têm sido os dois meses mais desesperantes da minha vida.
Quando me disseste que precisavas deste tempo para pensar na nossa relação, não julguei que levasse tanto tempo. Trocámos palavras tão amargas naquela noite, que ainda me perfuram a alma cada vez que me recordo. Sei que disse que enquanto não dissesses nada, não terias notícias minhas. Como podes ver, não estou a cumprir. Por ti, estou disposta a deixar de lado o orgulho e a mágoa que nos levou à separação… Este é apenas o meu primeiro passo!
Agora que penso claramente em tudo o que se passou, questiono-me constantemente como chegámos a tal ponto. A nossa relação era tão sólida, parecia tão inabalável… Lembras-te de como os nossos amigos nos invejavam? Não imaginas como me arrependo de ter tido aquela crise de ciúmes. Não foi a falta de confiança que acabou com tudo, tal como pensas. Foi o ciúme doentio que me cegou completamente e não me deixou ver o homem maravilhoso que és. Sinto-me tão impotente por não saber o que fazer. Estou de mãos e pés atados… E e assim que te peço: Perdoa-me!
Amo-te!

A fuga!

Sentia necessidade de lhe gritar, de o insultar e chamar à razão. Mas pelo contrário, falou calmamente e disse:
- Só quero entender o porquê… Mereço uma justificação!
Ele sabia que dificilmente se poderia esquivar, de adiar novamente aquele momento. Necessitava de uma resposta rápida e concisa, mas qual? Ele sabia que não tinha justificação, mas precisava de a silenciar…
- Tenho medo…
Ela estranhou a resposta. Sabia que tudo que ele dissesse seria mentira, ou preferia acreditar que assim fosse…
- Medo de estares comigo?!
- Não, medo de te amar.




Poema

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
Conheço tão bem o teu corpo
Sonhei tanto tua figura
Que é de olhos fechados que eu ando
A limitar a tua altura
E bebo água e sorvo o ar
Que te atravessou a cintura
Tanto tão perto tão real
Que o meu corpo se transfigura
E toca o seu próprio elemento
Num corpo que já não é seu
Num rio que desapareceu
Onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco.

Mário Cesariny de Vasconcelos

Manifestações

Revoltantes, inquietantes… são assim que se descrevem estas últimas noites. Porque é que não me abandonas? Os sonhos são meus, pertencem-me. É cobardia tua manifestares-te e atacares-me desse modo tão cruel apenas quando estou a dormir, quando estou inconsciente e não te posso mandar embora.
Não adianta tapares-me a boca nem abafares os meus gritos (mesmo que ninguém os ouça, tu sabes o quanto eles teimam em sair). Não adianta enumerares as tuas novas conquistas. Não adianta vestires o papel de vítima. Não, não adianta quereres despertar em mim qualquer tipo de sentimento… Hoje, já nada disso me incomoda. Afinal, tudo se torna tão evidente, quando se sabe separar a ténue linha que divide esse sonho da realidade.

O sonho

Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos,
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos.

Sebastião da Gama


Renascer

Sinto que encontrei a alegria que há tanto me tinha sido retirada.
Agradecer-te, seria insuficiente comparado com a paciência e o carinho que me têm sido dedicados. Não consigo exprimir correctamente o turbilhão de sentimentos que me tem invadido, apenas sei que me faz incrivelmente bem e feliz.
Sim, as palavras por vezes são pérfidas e podem ferir o mais insensível dos seres e como tal não as vou usar em vão, não agora! Agora apenas tento demonstrar-te como as palavras podem ser coloridas, cheias de brilho e tornar ainda mais encantador o que nos une… Eu diria que é algo mágico, mas a magia é tão irreal, tão falsa e inexistente que não se pode aplicar ao que sinto. Qualquer mera definição seria escassa, como tal por mais belas que as palavras sejam é uma beleza finita. No entanto, o que me move é infinitamente grandioso…
O meu amor não me cegou, pelo contrário tornou-me lúcida e crente do que quero… Quero estar contigo e encontrar em cada gesto teu, a felicidade que nos espelha!




Dedicado a B*

Adeus

É difícil apercebermo-nos do instante em que nos perdoamos… Lutei, neguei e reneguei. No fim de trilhar todo o caminho tortuoso, respirei.
Finalmente, foi-me permitido expelir todo o sofrimento concentrado, toda a dor que me prendia os movimentos.
Após tanto tempo de enganos e desencontros, apercebi-me que afinal percorremos o mesmo caminho em busca da resposta que tanto nos teima em calar, apenas o fazemos em sentido inverso... Foi no momento do meu reencontro que te perdi e que me reergui.

De todas as palavras que foram gastas, só me resta a única que tem sido evitada:
Adeus!

Desfecho

Não tenho mais palavras.
Gastei-as a negar-te...
(Só a negar-te eu pude combater
O terror de te ver
Em toda a parte.)

Fosse qual fosse o chão da caminhada,
Era certa a meu lado
A divina presença impertinente
Do teu vulto calado
E paciente...

E lutei, como luta um solitário
Quando alguém lhe perturba a solidão.
Fechado num ouriço de recusas,
Soltei a voz, arma que tu não usas,
Sempre silencioso na agressão.

Mas o tempo moeu na sua mó
O joio amargo do que te dizia...
Agora somos dois obstinados,
mudos e malogrados,
Que apenas vão a par na teimosia.

Miguel Torga

Em espera...

Esperar, esperar, esperar… Cada vez me convenço mais que estou destinada a esperar por tudo e todos. A Luísa já começa a exceder-se na sua falta de pontualidade…
- Olá Ana! Desculpa o atraso, está um trânsito infernal, não deu mesmo para chegar mais cedo.
- Eu também tenho carro, também tenho de o estacionar e também apanhei trânsito, mas para cumprir o horário combinado, saí mais cedo!
- Ena, já vi que a noite foi longa…
- Nem imaginas quanto…
- O que é que aconteceu para estares nesse estado?
- A única coisa que nunca devia ter acontecido…
- Oh não! Não me digas que é o que estou a pensar… Voltaste para o Rui?
- Pior!
- Pior? Já me estás a assustar... Acordaste nalguma cama que não era tua, sem te aperceberes? (risos)
- Luísa, deixa-te de piadas! O assunto é sério.
- Ok, desculpa! Podes dizer, não te interrompo mais.
- Fui para a cama com… Bem, com o…
- Com o…
- Com o Tiago!
- Tiago? Que Tiago?
- Oh Luísa, o Tiago…
- Hã? Não acredito! O Tiago Gomes? O teu melhor amigo?!
- Sim, o próprio!
- Oh Ana, mas tu endoideceste? Gostas dele? Como é que isso aconteceu?
- Gosto, mas só como amigo, claro. Nem eu sei como é que aconteceu. Eu estava em casa sozinha, comecei a pegar nas cartas do Rui e lembrei-me dos nossos melhores momentos… Senti-me deprimida, entendes? Eu precisava de desabafar com alguém, como sabia que tinhas saído com o Pedro, liguei ao Tiago…
- Hmm hmm… E ele disponibilizou-se logo a ir ter contigo?!
- Sim… Eu comecei a falar de tudo que já tinha passado com o Rui, das coisas que ele já me tinha feito e num instante qualquer, ele abraçou-me e eu beijei-o…
- Pois, suponho que depois do sofá da sala para o quarto tenha sido num instante.
- Hmm hmm… O pior foi que hoje de manhã quando acordei, ele já tinha saído. Não deixou nenhum recado, não me telefonou o dia inteiro, nada. Não me disse rigorosamente nada, até agora.
- E o que é que estás a pensar fazer?
- Nada, fico à espera que ele ligue…
Continuo à espera, desta vez espero não ter perdido um amigo.

Pausa

Tenho andado um pouco ausente... Não que queira, mas porque me tem sido impossível reservar o tempo necessário que este blog necessita. A falta de inspiração também em nada contribuiu para melhorar a situação.
Sendo este um post diferente dos anteriores, não me poderia esquecer de deixar um especial "agradecimento" à hipocrisia de certas pessoas. Foi graças a elas, que me foi permitido ver o contraste com a amizade e companheirismo que outros demonstram e que por vezes não damos o devido valor. É a falar da vida alheia que cada um revê a mediocridade em que vive.
Os meus sinceros agradecimentos vão, claro, para quem já visitou e continua a espreitar este mais recente cantinho...
Obrigada!

Justificação

Tudo se resume a um erro. Erro que insisto em fazer da minha verdade. Se é verdade que se aprende com os erros, sem dúvida eu aprendi contigo! Ironia das ironias, afinal não te posso recriminar, talvez te deva agradecer…
Julgas-te sem feitos alguns? Intitulo-me então como a tua grande obra, falhada e inacabada, mas que te pertence. Moldaste-me no que hoje sou, no que me reconheço. Como tal, ao meu mestre apenas devo… agradecimentos?!

Telefonema de despedida!!!

Mais um dia que promete…
Acho que o café ainda não me despertou o suficiente para aguentar todo trabalho que tenho em atraso. Daqui a pouco, nem a secretária que está à minha frente consigo ver, tal é a quantidade de papel acumulado. É incrível a agitação que esta redacção tem logo às 9:00 da manhã.
Oh não! O telemóvel a tocar a esta hora só pode ser má notícia, ou é a mãezinha com mais uma das suas lamechices a reclamar a minha falta de atenção ou é o Rui… Não posso crer, é mesmo o Rui! Não atendo, para todos os efeitos não estou.
”Ana, o teu telemóvel está a tocar!” Boa Sara, que oportuna que tu és, ele está mesmo ao meu lado e não ouvia nada, enfim… “Eu sei, já atendo.” Desta não me escapo, os olhares já estão todos concentrados no bichinho que não pára de vibrar e tocar…
- Diz!
- Bom dia, meu amor.
- Não sou nada tua, agora despacha-te a dizer o que queres. Tens 10 segundos, queres aproveitá-los ou posso desligar já?
- Não digas isso, tu és tudo para mim. Querida, essa disposição toda pela manhã até parece mal.
- Acabaste então de ficar sem nada, sendo assim desligo!
- Não, não, espera!
- Rui, não temos mais nada para falar, estás a fazer-me perder tempo e já estou no meu local de trabalho, por favor sê breve.
- Ok, queria só convidar-te para almoçar. Por favor Ana, dá-me só uma oportunidade para te explicar o que aconteceu…
- Não quero saber das tuas explicações, quero que me deixes em paz e que me deixes trabalhar, quanto ao convite para almoçar a resposta é NÃO!
- Ana, eu amo-te tanto, dá-me uma segunda oportunidade. Pensa em nós, em tudo o que passámos juntos, 3 anos de tanta felicidade não podem acabar assim…
- Assim como? Com a gaja que puseste na nossa cama?
- Ana, não sabes como me arrependo amargamente desse dia. Eu estava bêbado, tu viste…
- Não, definitivamente não foi isso que vi. Não insistas, acabou! Adeus!
- Espera, não desligues! Só mais uma coisa, andas com alguém?
- Não tenho que te dar justificações, mas se fazes tanta questão de saber… Sim, ando!
- Eu sabia. És mesmo cabra, ainda mal acabámos já te andas a deitar com outro gajo qualquer…
- Oh Rui, vai-te foder! Esquece que existo e deixa-me em paz!
- Juro-te que te vais arrepender de tudo o que me estás a fazer.
Já não bastava a conversa animada, ainda tinha de ter plateia para assistir a tudo. Não tarda nada, passamos de um jornal conceituado para revista cor-de-rosa. O descaramento do Rui deixou-me completamente atónita. É incrível como continuo a amar aquele cabrão depois de tudo o que me fez…
Parece que os papeis acumulados à minha frente me querem trazer novamente à realidade. Bem sabia que o dia iria prometer...

A carta...

Meu amor:

Tem sido tão difícil continuar a acordar todas as manhãs sem ti ao meu lado. A cama tornou-se infinitamente grande só para acolher o meu corpo, sem ti perco-me na sua imensidão. Continuo a agarrar-me à tua almofada de manhã, fecho os olhos e voltamos a juntar os nossos corpos na mesma cama que contigo se vai tornando cada vez mais pequena e acolhedora… A tua essência ainda se mantém entranhada na almofada, nos lençóis, no quarto, na minha vida…
Tomei a dose extra de café pela manhã, para me manter em pé com menos esforço do que tem sido habitual. Preocupante é que o vício do café não é inversamente proporcional ao do tabaco. Eu continuo a lembrar-me constantemente dos teus avisos e da preocupação que tinhas sobre o meu estado de saúde, acho que é esse o motivo de uma dose relativamente controlada de cafeína e nicotina no meu organismo.
Sinto que estou cada vez mais isolada do mundo, ou o mundo isolado de mim, já não sei… Sei que no momento, só posso contar contigo, com estas cartas que escrevo, mesmo sabendo que infelizmente nunca as poderás ler.
Faz dois anos e meio que, enfim, que partiste, que tomaste a decisão irremediável de me deixares à mercê deste mundo medíocre, sem a tua protecção, sem o teu apoio.
Sei que não te tenho dito nada de novo, mas por enquanto é assim que (sobre)vivo.


Eternamente tua,
Ana

Saudades!

Numa daquelas noites, em que espero desesperadamente que o sono me invada, sentei-me de pernas cruzadas na cama enquanto ia desdobrando os mil pedaços em que a carta se encontrava. É uma das cartas às quais nunca tiveste acesso, uma das que ficam guardadas no fundo da gaveta à espera do momento certo para serem divulgadas. Relembro com um sorriso, misto de tristeza e saudade, os tempos em que foi escrita… Não era necessário a data marcada para saber exactamente o dia em que a escrevi, são momentos que estão gravados e dificilmente serão esquecidos.

Senti-me a recuar no tempo, senti saudades…
Senti saudades do tempo que passávamos juntos em que não existia tempo. Senti saudades dos teus beijos, das tuas carícias. Senti saudades dos teus sussurros ao ouvido. Senti saudades das tuas mãos a tocarem suavemente no meu cabelo. Senti saudades do calor dos teus abraços, do teu perfume, do respirar calmo, cada vez que apoiava a cabeça no teu peito.
Sim, sinto saudades desses tempos que agora apenas residem na minha memória! Tenho saudades minhas, de quem era e como era quando estava contigo…

Voltei a dobrar a carta, pelos mesmos vincos em que ela já tinha sido dobrada vezes sem conta e guardei-a no canto que sempre lhe foi destinada.

A claridade do novo dia começa a interferir nos meus olhos, sinto o ressoar dos passos da minha mãe, seguidos de um aviso “Acorda! Já e tarde.”

Não gosto, Não quero!

Por vezes ponho-me a pensar no que gostaria de ter, nos meus sonhos, nas minhas ambições, no que gosto… Só encontro certezas no que não quero, no que não gosto e no que não ambiciono.


(by Couto)


Não gosto que me julguem sem me conhecer;
Não quero que me digam o que devo fazer;
Não gosto de viver na hipocrisia;
Não quero fingir falsa alegria;
Não gosto de viver na ilusão;
Não quero que me olhem com lamentação;
Não gosto que me peçam satisfações;
Não quero que me dêem falsas justificações;
Não gosto que mintam para me satisfazer;
Não quero sentir um falso prazer;

Certezas?!
Não quero o que não gosto e não gosto do que não quero!

A dor

Dói saber que nada sei
de Ti, de Mim, de Nós!
Dói reconhecer que não te conheço,
dói ainda mais não te esquecer.
O que dói não é o sofrer,
é o ir sofrendo
, é o relembrar
que tu fazes questão de sustentar;
O sustentar de um Passado,
que é Presente, que é Futuro,
que é o meu Fado!
Este fardo que carrego não é amor,
nem o pesar de não o ter,
é a dor de não saber como te desprezar;
Dói não te compreender!

Poema do silêncio

Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.

José Régio

Ilusão

Sentada no parapeito da janela, prendo os joelhos contra o peito enquanto olho a lua resplandecente. Com o olhar distante, relembro mais uma vez a tarde passada…

Com o tempo ameno e a brisa calma a bater-me no rosto, fechava os olhos cheios de esperança com tenção de uma tarde inesquecível.
Cheguei ao local combinado, com a pontualidade que em nada me caracteriza e surpreendida com tal feito, esperei… O brilho dos meus olhos e o sorriso desenhado na minha face, não me deixavam colocar a hipótese da tua ausência. Esperei… Os segundos foram-se transformando em minutos, os minutos em horas e a tua ausência foi-se tornado cada vez mais evidente. Cada desvio de olhar para o relógio, tornavam o meu medo maior e o sorriso foi-se esmorecendo gradualmente, mas mesmo assim não deixei que a decepção se apoderasse de mim. Mais uma vez, esperei…

Esperei esta tarde, assim como espero a todo o instante pela tua presença, pelo teu amor, a tua compreensão, enfim, espero por ti. Perdida nestes pensamentos sou interpelada pela voz que me faz trazer à realidade “Novamente iludida?”. Balanço o corpo no estreito parapeito, limpo a primeira lágrima gritando “NÃO! Novamente apaixonada.”.
Numa fracção de segundos, sinto o peso da realidade “E o que é o teu amor, senão uma ilusão?”

Reflexo

Ao cruzar-me novamente contigo, comecei a entender parte da nossa (minha) relação doentia, do amor-ódio, da calma-desespero…
Foi ao ver o teu semblante caminhando na minha direcção, que decidi evadir-me de tudo o que me rodeava. Comecei assim a perceber o início da minha transformação.
Ouvindo apenas o ecoar dos teus passos pude finalmente aperceber-me da deformação do meu Ser. À medida que te foste aproximando, o meu corpo foi-se contraindo e dilatando, foi-se tornando progressivamente duro e seco (por momentos pensei que inalasse a podridão do meu próprio Ser).
No instante em que nos cruzámos, descobri… Sou apenas o espelho, o espelho que tanto evitas! Afinal não é a mim que ignoras, não sou eu que sou desprezível aos teus olhos… És Tu!
A podridão que solto é apenas um mero reflexo; o reflexo do que és, do que somos e do que sou quando estou contigo. Sendo o teu reflexo, só assim te pertenço, sem vontade e sem escolha, sou a subsistência do Nós!

A colina

Sentados na colina mais alta da praia, olhávamos o horizonte, com o pôr-do-sol ardendo e rasgando o azul do céu. Abraçámo-nos e deixámos que o silêncio tomasse conta de nós, o que ambos sentíamos naquele momento não precisava de palavras para ser descrito. “Voltas?” perguntei eu com a voz trémula deixando rolar pela face a primeira lágrima, “Só partirei no momento em que me esqueceres!”.

Faz dois anos que nos despedimos na colina. No entanto, não sei se é a tua ausência que ainda me faz sofrer, ou o facto de não te querer deixar partir de vez, mas ainda espero o teu regresso, consciente de que tal não é possível.
O meu lado racional continuava a dizer-me que para todo o princípio existia um fim. Oh, que doce ilusão! O meu amor por ti não tem fim, apenas mudou de forma...


Bizarre love triangle

Por vezes é na música que encontramos mais do que queremos dizer e tanto quanto pensamos...

Every time I think of you
I get a shot right through into a bolt of blue
It’s no problem of mine but it’s a problem I find
Living a life that I can’t leave behind
There’s no sense in telling me
The wisdom of a fool won’t set you free
But that’s the way that it goes
And it’s what nobody knows
And every day my confusion grows
Every time I see you falling
I get down on my knees and pray
I’m waiting for that final moment
You’ll say the words that I can’t say

I feel fine and I feel good
I feel like I never should
Whenever I get this way, I just don’t know what to say
Why can’t we be ourselves like we were yesterday
I’m not sure what this could mean
I don’t think you’re what you seem
I do admit to myself
That if I hurt someone else
Then we’d never see just what we’re meant to be
Every time I see you falling
I get down on my knees and pray
I’m waiting for that final moment
You’ll say the words that I can’t say

Jewel - Bizarre love triangle

Sem querer ser, sou

Por momentos dá-me um pouco da tua atenção, reserva-me um pouco do teu tempo.
Espera! Não vás já!
Dá-me a tua mão, toca-me, ouve-me, sente-me… Ouves? Sentes?
Não. Eu sei que não. Sou pedra, não a pedra preciosa que gostarias que me tornasse, sou mais uma das pedras que tu pisas na calçada, mais uma que ignoras, mais uma que atiras.
Apetece-me chorar, não de tristeza, não de alegria, quero chorar porque simplesmente já não o sei fazer. Tornaste-me seca e amarga, sugaste tudo que tinha dentro de mim, até as lágrimas me levaste. No entanto, deixaste parte de ti, deixaste a marca da tua passagem, a ferida sarou mas a marca continua cravada nas minhas entranhas. É esta marca que ainda me consome, a marca que se apodera de mim e me torna na única pessoa que não quero ser… TU!


Nostalgia

Hoje lembrei-me novamente de alguns dos momentos que passámos juntas, especialmente aqueles que aconteciam perto da altura natalícia.
Vagueando pela rua, vendo o brilho das luzes de Natal, parei em frente a uma montra a olhar para o seu interior e a ver o movimento das pessoas, enquanto faziam as suas compras. Foi no momento em que o empregado da loja entregava um embrulho a uma criança, que senti uma certa nostalgia dos tempos passados e me lembrei das compras que fazíamos juntas. Será que ainda te lembras?

Percorríamos toda a cidade, olhando as montras com a ânsia de encontrar as prendas especiais, “Este ano tem que ser algo especial!” repetia eu, e tu pacientemente acompanhavas-me nas minhas indecisões.
“Gostas?” - perguntava eu constantemente, as respostas obtidas eram sempre sinceras, mas quando o desespero e o cansaço se apoderavam de ti, respondias com um simples “Sim, gosto!”. No entanto, sabia que ainda não era aquela a tal “prenda especial” e recomeçávamos o habitual ritual… Ver, mexer e sair das lojas, cada vez mais insatisfeitas. O dia chegava ao fim, até que nos decidíamos a comprar as mesmas coisas banais que oferecíamos todos os anos, em que nos conformávamos com um “para o ano será melhor”.

Quando voltei a olhar para a loja através da montra, a criança tinha desaparecido e nesse instante apercebi-me, a “prenda especial” eras Tu, a tua companhia e os momentos que passávamos juntas.
Este ano não vou fazer compras. As prendas não deixariam de ser banais como todos os anos, e desta vez nem sequer posso contar com a tua presença para o fazer.


Adão e Eva

Olhámo-nos um dia,
E cada um de nós sonhou que achara
O par que a alma e a cara lhe pedia.

- E cada um de nós sonhou que o achara...

E entre nós dois
Se deu, depois, o caso da maçã e da serpente,
... Se deu, e se dará continuamente:

Na palma da tua mão,
Me ofertaste, e eu mordi, o fruto do pecado.

- Meu nome é Adão...

E em que furor sagrado
Os nossos corpos nus e desejosos
Como serpentes brancas se enroscaram,
Tentando ser um só!

Ó beijos angustiados e raivosos
Que as nossas pobres bocas se atiraram
Sobre um leito de terra, cinza e pó!

Ó abraços que os braços apertaram,
Dedos que se misturaram!

Ó ânsia que sofreste, ó ânsia que sofri,
Sede que nada mata, ânsia sem fim!
- Tu de entrar em mim,
Eu de entrar em ti.

Assim toda te deste,
E assim todo me dei:

Sobre o teu longo corpo agonizante,
Meu inferno celeste,
Cem vezes morri, prostrado...
Cem vezes ressuscitei
Para uma dor mais vibrante
E um prazer mais torturado.

E enquanto as nossas bocas se esmagavam,
E as doces curvas do teu corpo se ajustavam
Às linhas fortes do meu,
Os nossos olhos muito perto, imensos,
No desespero desse abraço mudo,
Confessaram-se tudo!
... Enquanto nós pairávamos, suspensos
Entre a terra e o céu.

Assim as almas se entregaram,
Como os corpos se tinham entregado,
Assim duas metades se amoldaram
Ante as barbas, que tremeram,
Do velho Pai desprezado!

E assim Eva e Adão se conheceram:

Tu conheceste a força dos meus pulsos,
A miséria do meu ser,
Os recantos da minha humanidade,
A grandeza do meu amor cruel,
Os veios de oiro que o meu barro trouxe...

Eu, os teus nervos convulsos,
O teu poder,
A tua fragilidade
Os sinais da tua pele,
O gosto do teu sangue doce...

Depois...

Depois o quê, amor? Depois, mais nada,
- Que Jeová não sabe perdoar!

O Arcanjo entre nós dois abrira a longa espada...

Continuamos a ser dois,
E nunca nos pudemos penetrar!

José Régio

Sem dúvida uma boa sugestão (Lítiase). ;)
Hoje não tenho inspiração, mas com uma poema assim, não sei se será por

O melhor momento do dia

Batendo ritmadamente com a ponta da caneta na mesa, afundada na cadeira e de pés cruzados, imaginava o futuro com as mudanças que gostaria de ter feito no passado, até que o som ensurdecedor da campainha me trouxe novamente à realidade, a aula em que me encontrava tinha acabado e eu apenas tinha uma vaga ideia do seu começo. Retomando os mesmos movimentos de sempre, arrastar cadeira, arrumar caderno, canetas e afins, vestir casaco, empurrando e sendo empurrada, tinha como única finalidade a porta de saída.
Finalmente na rua, os pés mecanicamente guiavam-me para casa, desejando apenas fugir do frio que tão fortemente me abraçava, até que ao fundo da rua avistava o vulto que tão bem conhecia…O tempo parou, bastaram apenas segundos para eternizar aquele momento, para o frio me desprender e uma brisa quente me acarinhar. Inspirei fundo e mentalmente ia contando os passos que me levavam ao seu encontro “…10,11,12...” e o momento que tanto ansiava aconteceu em questão de segundos, inalei profundamente o seu perfume tentando eternizar por mais algum tempo a sua presença.
Aquele dia frio de Dezembro tinha finalmente significado, assim como todos os outros dias, em que os nossos rostos se cruzavam e uma simples troca de olhar dizia mais que um “Olá”.

A dança da liberdade

Mais uma vez a boneca dançou ritmada à música dele. Novamente exposta, usada e abandonada… A sua marioneta já não tinha uso, ele já lhe conhecia bem os seus movimentos e as cordas manobradas pelos seus dedos já não lhe causavam a mesma sensação de poder, ele queria uma boneca nova, uma boneca pura e intocável como aquela tinha sido outrora.
Sentou-a e sem olhar para trás abandonou-a, mas não eternamente, pois no maior dos seus pesadelos ele continuava vivo e a aprisioná-la. O seu dono continuava em busca da boneca perfeita, ela não tinha sido uma boa boneca… mas porquê? Porque não seria ela a sua boneca perfeita e intocável? Ele já não a desejava, todo o divertimento que a boneca lhe proporcionava foi-se desvanecendo gradualmente…
Sentada a boneca libertou a sua primeira lágrima, depois desprendeu-se das suas cordas e finalmente apercebeu-se que já não era boneca, que agora era livre e já não pertencia a ninguém, era apenas mais um Ser no mundo sem destino, mas com a certeza de que agora os seus passos de dança apenas dependiam de si.





Dedicado a todas as bonecas presas, que têm vontade para se libertar...



Não vou por aí

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- SEI QUE NÃO VOU POR AÍ!

José Régio

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